A história da cloroquina é cheia de pontos de interrogação. Fotos: Pexels.
O presidente da Jair Bolsonaro fez um novo pronunciamento em cadeia nacional nesta quarta-feira, 08. Mais moderado em tom, ele trouxe um fato novo: a defesa do uso massivo de cloroquina como tratamento para o coronavírus, um assunto que já estava na pauta do governo e gerando polêmica há alguns dias.
Como a cloroquina foi alçada à posição de salvação da lavoura no Brasil? Através de uma bizarra cadeia de acontecimentos que envolveu papers pseudocietíficos na internet, um tweet de Elon Musk e diversos proncunciamentos de Donald Trump, até chegar à televisão dos brasileiros ontem.
Tudo começou no dia 11 de março durante um bate papo aleatório no Twitter. Na ocasião, três entusiastas das criptomoedas divagavam sobre a crise mundial provocada pela Covid-19. Este pequeno grupo era formado por um graduado em Medicina, um graduado em Direito e um auto-intitulado filósofo que havia morado em Wuhan, berço da pandemia. Todos eles desprovidos de qualquer experiência em pesquisas científicas.
Com essas indiscutíveis credenciais, dois deles bolaram um artigo científico em apenas dois dias. Publicaram não em uma revista científica, evidentemente, mas no Google Docs. Ou seja, tratava-se de pseudociência. Os autores ainda incluíram no documento credenciais das universidades de Stanford, Alabama e a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos como se elas tivessem participado do estudo. Só que não. As universidades negaram, mais tarde.
A tese da cloroquina tinha um componente importante para viralizar: a suposição de que seu uso é impedido por forças ocultas. A patente da cloroquina já expirou, por isso pode ser produzida de forma genérica e barata. Isso alimenta os teóricos da conspiração. Segundo estes, haveria interesses escusos por trás da OMS.
A principal base do artigo era um outro texto, publicado por um dos participantes da conversa no Twitter no no Medium (um site onde qualquer um pode publicar de graça) com um título bastante retórico:
“Teria a Itália mais mortes por Covid-19 do que a Coréia do Sul por não receitar cloroquina?”
O autor se chama Adrian Bye, cuja autoridade veio do fato te ter morado alguns anos em uma montanha de Wuhan. Ele se auto-declara filósofo e utiliza seu conhecimento para descobrir “a verdade por trás do comportamento das criptomoedas”. Ele fez uma série de pesquisas na internet sobre medicamentos usados no tratamento da Covid-19 porque, segundo ele, estava preocupado com sua mãe idosa que vive na Austrália.
Apesar de leigo no assunto, Bye já começa o texto afirmando que a OMS orientou equivocadamente os países ocidentais ao não recomendar a cloroquina, já que China e Coréia do Sul estavam utilizando “com sucesso” esta droga.
Os números de óbitos na Itália de fato são maiores do que na Coréia do Sul. Bye então baseia toda sua “tese” em apenas um post publicado no site da Korea Biomedical Review que recomenda o uso de dois medicamentos para o tratamento da Covid-19, sendo um deles a cloroquina.
Acontece que duas semanas depois o próprio Bye reconhece que a Coreia NÃO estava usando a cloroquina, pois não a tinham disponível e quase nenhum médico a receitava. Ao invés de cloroquina, os pacientes sul-coreanos receberam a droga chamada Kaletra, usada no tratamento de HIV.
Ou seja, toda a retórica do textão que deu origem a toda essa história foi baseada em uma falácia.
Mas o artigo se espalhou rápido e caiu nas mãos Elon Musk, CEO da Tesla, a maior fabricante de carros elétricos do mundo. Ele já vinha desdenhando a pandemia há dias. Na tarde de 16 de março Musk tuitou a frase: “talvez valha a pena considerar a cloroquina para a Covid-19”, seguida de um link para o Google Docs dos farsantes.
Musk acredita ter sido ele próprio salvo pela cloroquina quando contraiu malária numa viagem entre o Brasil e África do Sul durante suas férias no ano de 2000.
O CEO da Tesla tomou o lugar de gênio-para-toda-obra que antes cabia a Steve Jobs. Não é para menos. Suas empresas são altamente inovadoras e bem sucedidas. A personalidade de Musk é aquela do tipo que chama a atenção, seja por mérito ou por alguma polêmica que ele mesmo cria.
Na sua ânsia de continuar a produzir carros e não atrasar a montagem dos seus foguetes mesmo em meio à pandemia, Musk acabou dando corda para uma droga que era apenas uma entre muitas que ainda estão em teste. Estava feito o hype: o gráfico do Google Trends mostra que as buscas por cloroquina decolaram depois do tweet de Musk.
Mas como sabemos, não parou por aí.