Deivi Kuhn durante sua palestra no Fisl. Foto: Camila Domingues
As exigências tecnológicas do mundo pós-Snowden, combinadas com um marco regulatório mais abertamente em prol do software livre, devem gerar um avanço na adoção de soluções open source no governo brasileiro em um futuro próximo.
Pelo menos, essa é a expectativa de militantes do movimento e simpatizantes dentro do governo que estiveram reunidos no Fórum Mundial do Software Livre, que encerrou sua 16ª edição neste sábado, 11, em Porto Alegre.
“Antes das revelações de Snowden, nos consideravam paranóicos. Analisando agora, acho que fomos até ingênuos”, afirma o presidente do Serpro, Marco Mazoni, em uma declaração que dá um pouco da tônica do evento.
Tem sido assim desde 2013, quando o ex-funcionário terceirizado da agência de espionagem americana vazou documentos para o Wikileaks delatando a colaboração de empresas de tecnologia americana com o aparato de vigilância do governo americano.
O fato foi celebrado pelos defensores do software livre, que por anos bateram na tecla de que o uso de soluções proprietárias de multinacionais abria uma porta para o uso de “backdoors” e espionagem por potências estrangeiras.
Dois anos depois, já é possível distinguir as consequências práticas da reação brasileira às denúncias de Snowden.
Projetos mais chamativos, como a criação de um e-mail nacional e a introdução da obrigatoriedade de armazenagem local de dados brasileiros, anunciados no calor do momento pelo governo federal, acabaram dando em nada.
A própria crise diplomática foi encerrada na semana passada, quando uma presidente Dilma Rousseff realizou a visita aos Estados Unidos cancelada em 2013, visando aquecer o comércio entre os dois países.
Durante a passagem pelos Estados Unidos, que incluiu visitas ao Vale do Silício, lar das empresas que vazaram os dados para a NSA, foram revelados novos documentos, apontando para uma extensão ainda maior que o imaginado para a espionagem.
A presidente não fez manifestações públicas sobre o tema, objeto de uma nota para lá de morna da presidência da república.
Ao contrário do que as declarações oficiais e o fracasso de projetos natimortos como o e-mail nacional ou a obrigatoriedade de hospedagem nacional de dados dão a entender, outros movimentos tem reforçado a estratégia do governo de comprar tecnologia open source oferecida por empresas estatais.
Uma série de decretos e normativas publicadas desde 2013 prevê, por exemplo, que dados do governo federal sejam armazenados em data centers no país e circulem por redes de telecomunicações e serviços de tecnologia controlados por empresas estatais.
Outra regra diz respeito à necessidade de que softwares comprados pelo executivo brasileiro sejam passíveis de auditoria.
Em uma discussão posterior, venceu o entendimento que a aderência à certificação ISO 15408, usada nos Estados Unidos e outros países e conhecida como Common Criteria, pudesse cumprir esse papel.
Prevaleceu o entendimento que apenas softwares open source poderiam atender o requisito.
No embalo dessas medidas, o Ministério das Comunicações está discutindo a criação de um condomínio de data centers adjacentes a Itaipú para transformar a região em um ponto de tráfego internacional de dados, evitando o roteamento de tráfego por Miami.
O governo federal também acabou de criar uma empresa para implantar cabos de fibra ótica entre o Brasil e a Europa, ligando Fortaleza a Lisboa, com o mesmo objetivo de evitar Miami e eventuais “grampos”.
Um dos softwares open source mais beneficiados pela nova orientação do governo federal foi o Expresso, suíte de colaboração do Serpro, que duplicou sua base de usuários no último ano, alcançando 900 mil usuários e incorporando ministérios como a Fazenda e as Comunicações.
Até agora, a maioria da ação se concentra no executivo federal e, mesmo assim, com o que os próprios militantes reconhecem como “resultados desnivelados”. A última pesquisa sobre adoção de software livre é de 2009.
Órgãos como o Serpro colocam grande energia no tema open source, o que não acontece em outras partes do governo. Em alguns lugares, como na Caixa Econômica, o software livre está perdendo importância.
Uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal, no entanto, faz os defensores do software livre acreditar que é possível ampliar muito a abrangência da movimentação.