Para o ano passado, o Gartner estimava vendas de três milhões de drones em nível mundial. Foto: Runrun.it.
Semanas atrás, eu estava sentado na beira da praia em Capão Novo, no Rio Grande do Sul, pensando se entrava na água ou não, quando um ruído persistente chamou a minha atenção.
Não era um vendedor de picolé, que anuncia seu produto com o som intermitente de uma buzina. Era mais um zumbido, o tipo de barulho que um inseto especialmente monocorde poderia produzir no meio de uma selva tropical.
Era, é claro, um drone, o tipo de modelo com quatro hélices e uma câmera acoplada que já é possível adquirir por preços acessíveis no Brasil.
Ele passou voando uns dois metros das cabeças das pessoas na areia, que, até onde eu pude reparar, não prestaram muita atenção no que deve ser uma cena corriqueira do verão de 2018.
Alguma coisa sobre o voo daquele drone me deixou irritado. Logo, eu estava pensando sobre derrubá-lo, com o arremesso certeiro de uma espiga de milho fervida, o lanche típico das praias gaúchas.
Uma vez que o drone caísse na areia, eu me dedicaria a desmembrar seu corpo em múltiplos pedaços, criando um mexedor de caipirinha e outros artefatos úteis, quem sabe um colar usando fios coloridos.
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Bem-vindo ao pico das expectativas infladas
Mais tarde, deitado na rede de casa, eu comecei a pensar com mais calma no meu delírio praiano de horas atrás (escreva posts como um modo de vida e esse tipo de coisa também se tornará um hábito para você).
As notícias sobre drones em múltiplos contextos têm sido elas mesmas um zumbido recorrente na imprensa nos últimos anos.
Não deixa de ser curioso: em inglês, o verbo to drone se refere justamente ao ato de discorrer tediosamente sobre um assunto, sem se importar pelo interesse de quem está ouvindo.
Um exemplo típico, do que se tornou um oba oba meio tedioso em torno do assunto, foi a decisão da Dolce e Gabbana de substituir modelos humanos por drones, durante um desfile de bolsas feito recentemente, em Milão.
Para realizar a façanha, a empresa precisou avisar insistentemente ao público para desligar equipamentos capazes de se conectar a redes WiFi, o que em tese poderia atrapalhar a navegação das máquinas. Anna Wintour, a famosa editora da Vogue, desistiu e foi embora.
Anna fez muito bem, porque o tal desfile dos drones foi um espetáculo lamentável: uma bolsa se torna um apetrecho bem pouco interessante sem uma pessoa junto, ao que parece.
Talvez a jornalista, conhecida pelo estilo implacável, não tivesse o meu autocontrole e atacasse as máquinas com seus escarpins afiadíssimos.
Quem acompanha o mercado de tecnologia de perto está acostumado a esse tipo de coisa. Em algum ponto da trajetória de alguma inovação, ela será usada como uma espécie de verniz por qualquer um em busca de créditos como vanguardista.
O exemplo que sempre me vem à mente quando eu penso nisso é o de um cidadão da minha cidade natal. À época da introdução da telefonia móvel no Brasil, ele decidiu desfilar no seu Escort XR3, pelo centro da cidade, falando em um aparelho em que observadores da cena concluíram ser o controle remoto da sua televisão.
O Gartner tem até uma série de pesquisas especialmente focada nesse ciclo de vida das tecnologias, o conhecido Hype Cycle. Em 2015, por sinal, os drones chegaram ao chamado “Pico das Expectativas Infladas”, no qual estão tecnologias que atingiram o auge da valorização não justificada.
Em 2017, a tecnologia já havia entrado na fase inicial do seguinte estágio, conhecido como “Poço da Desilusão”, no fundo do qual jazem as tecnologias de realidade aumentada, que tiveram também sua fase de onipresença recentemente (preciso fazer uma pauta aqui para dizer que adoro esses nomes esotéricos que o Gartner inventa).
A próxima fase é a “Encosta da Descoberta”, na qual as tecnologias fazem o longo caminho para os usos práticos. No Hype Cycle de 2017, a realidade virtual está nessa fase. Vocês ainda lembram do Second Life? Aquilo seria o pico das expectativas infladas.
O que existe na verdade até agora
O primeiro uso de um drone, entendendo por drone um veículo aéreo não tripulado, foi feito pelo Exército Austro-Húngaro em 1849.
Na época, o norte da Itália era parte do Império Austro-Húngaro, quando a cidade de Veneza se rebelou pela sua independência.
Chegando lá, os militares austríacos perceberam que era muito difícil atacar Veneza, espalhada como a cidade estava em mais de 100 ilhas em uma grande laguna, com terreno pantanoso no lado do continente.
O propósito mesmo da construção da cidade era gerar essa complicação, o que vinha funcionando por mais de mil anos naquela altura do campeonato.